Por que a febre amarela é uma questão de saúde pública?

22/03/2021 – Atualizado em 30/10/2022 – 9:02pm

Por que a febre amarela é uma questão de saúde pública?

Doença infecciosa aguda causada por um vírus transmitido por mosquitos vetores, a febre amarela ocorre de forma endêmica no Brasil, principalmente na região amazônica. Apesar da devastação causada pela pandemia da covid-19 em todo o mundo, as zoonoses e arboviroses continuam sendo um tema relevante para a Vigilância Epidemiológica, os serviços de saúde e a população.

Prova disso foi uma notícia divulgada, na semana passada, sobre um morador da zona rural de Plácido de Castro (AC), que encontrou macacos guaribas caídos na mata aparentando estar agonizando por falta de ar. Apesar de ser um local endêmico para a ocorrência de febre amarela, os vídeos feitos pelo morador publicados em redes sociais logo geraram especulações de que os primatas poderiam ter sido acometidos pela covid-19.

Devido à repercussão, a Sociedade Brasileira de Primatologia divulgou uma nota – subscrita também pela Sociedade Brasileira de Mastozoologia, pela Universidade Federal do Acre (Ufac), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Institute for Zoo – ressaltando “que a febre amarela é endêmica da região e o vírus está em período de maior circulação, portanto essa é a suspeita inicial”.

Médicos-veterinários atuaram no caso

Um episódio como esse ocorrido no Acre traz à tona, mais uma vez, a importância do papel do médico-veterinário no controle e prevenção de zoonoses. Os médicos-veterinários Seleucia Nobrega, do Núcleo de Zoonoses da Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre), e Everton Arruda, do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), estiveram no local onde os guaribas foram encontrados.

Os dois profissionais foram responsáveis pela necropsia de dois animais e pelo envio de material para análise no Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), para encaminhamento ao Instituto Evandro Chagas, em Belém (PA). Ainda não há previsão de retorno das análises, mas a hipótese mais provável, segundo os profissionais, é de que se trate de febre amarela.

“No Idaf, seguimos os preceitos da saúde única. No caso da febre amarela, macacos são sentinelas, ou seja, eles ‘avisam’ sobre a presença do vírus. É importante saber que ao andar na mata e encontrar um primata não humano caído, a suspeita é de epizootia e é preciso notificar. Sem controle, uma zoonose, como a febre amarela, pode causar não só mortes de animais e prejuízos à saúde humana, mas também desequilíbrio ambiental. Os animais têm papel importante como espalhadores de sementes, por exemplo”, explica Arruda.

Prevenção: proteger os macacos e vacina

Quando, da mesma forma que ocorreu no Acre, primatas não humanos são encontrados agonizando na mata, é preciso alertar os serviços de vigilância do município. “É muito importante reforçar a informação de que apenas mosquitos, e não os macacos, transmitem a febre amarela. Eles são importantes indicadores da presença do vírus em determinada região, servindo como guias para a elaboração de ações de prevenção”, assinala Nélio Morais, presidente da Comissão Nacional de Saúde Pública do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNSPV/CFMV). O médico-veterinário enviou informações detalhadas sobre a doença, em material disponível ao final deste texto.

A principal forma de prevenção contra a febre amarela é a vacinação, disponível nos postos de saúde de todo o país. Desde 2017, o esquema vacinal do Brasil contempla uma única dose da vacina contra a febre amarela durante a vida, a partir dos 9 meses de idade, alinhado ao que recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS).

 Além disso, outras medidas de proteção individual são recomendadas, como o uso de repelentes de insetos, usar roupas compridas e largas ao ingressar na mata e usar mosquiteiros nas áreas onde a incidência do vírus é endêmica.

Assessoria de Comunicação do CFMV

Leia mais:

Nota explicativa dos médicos-veterinários Francisco Edilson F. Lima Júnior (membro) e Nélio Morais (presidente) da Comissão Nacional de Saúde Pública do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNSPV/CFMV)

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Sobre a febre amarela

A febre amarela é uma doença infecciosa febril aguda, de evolução abrupta e gravidade variável, imunoprevinível, com elevada letalidade nas suas formas graves, causada por vírus do gênero Flavivírus e família Flaviviridae.

Apenas as fêmeas dos mosquitos dos gêneros Haemagogus, Sabethes e Aedes transmitem o vírus, pois o repasto sanguíneo provê nutrientes essenciais para a maturação dos ovos. Sua transmissão no vetor também ocorre de forma vertical, na qual as fêmeas podem transferir o vírus para a sua prole, favorecendo a manutenção do vírus na natureza. Não há transmissão de pessoa a pessoa e o período de incubação médio varia entre três e seis dias, podendo se estender por até 15 dias.  

A doença causa, periodicamente, surtos isolados ou epidemias de maior impacto em saúde pública, porém em sua forma urbana não há registro no Brasil desde 1942. Os três últimos casos foram notificados na cidade de Sena Madureira, no Acre, e a última grande epidemia ocorreu no Rio de Janeiro, nos anos de 1928 e 1929, com o registro de 738 casos e 478 óbitos.

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Zoonose

A febre amarela é uma zoonose de elevada importância em saúde pública, sendo o ciclo silvestre não passível de eliminação, necessitando de vigilância e manutenção das ações de controle.

A população viral é mantida na natureza por transmissão entre Primatas Não Humanos (PNH) e mosquitos silvestres arbóreos, principalmente dos gêneros Haemagogus e Sabethes, no Brasil, e Aedes (Stegomyia), na África, situação denominada epizootia. Em momentos com as condições ideais para transmissão, mais PNHs adoecem e morrem, chamando a atenção da sociedade na forma de epizootia, que representa o evento sentinela e define medidas de intensificação de vacinação nos moradores das regiões afetadas.

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Vigilância da febre amarela

Segundo o Ministério da Saúde, trata-se de doença de notificação compulsória e imediata, portanto, todo caso suspeito deve ser prontamente comunicado por telefone ou e-mail às autoridades, por se tratar de doença grave com risco de dispersão para outras áreas do território nacional e internacional. A notificação deve ser registrada por meio do preenchimento da Ficha de Investigação da Febre Amarela e inserida no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

O Programa de Vigilância, Prevenção e Controle da Febre Amarela atua de forma articulada com diferentes áreas, como vigilância de casos humanos suspeitos, vigilância de síndromes febris íctero-hemorrágicas, imunização, vigilância de Eventos Adversos Pós-Vacinais (EAPV) graves, vigilância entomológica (vetores urbanos e silvestres), vigilância ambiental (ecoepidemiologia), além de ações de informação, educação e comunicação. Assim, as vigilâncias entomológica e de epizootia em PNH constituem eixos de atuação ecoepidemiológica do programa no Brasil.

Para a formalização da ocorrência de evento envolvendo adoecimento ou morte de PNH, utiliza-se a Ficha de Notificação/Investigação de Epizootia, que visa agregar dados que favoreçam a interpretação do evento e a avaliação do risco implicado pelos profissionais da rede, além de orientar a tomada de decisão articulada entre as diferentes esferas de gestão do SUS, no que se refere à aplicação de medidas preventivas e de controle.

Nas últimas décadas, foram registrados surtos de febre amarela silvestre além dos limites da área considerada endêmica (região amazônica), na Bahia, em Minas Gerais, em São Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Sul, o que caracterizou uma expansão recorrente da área de circulação viral, conforme mostra a Figura 1.

Figura 1 – Casos humanos suspeitos de febre amarela notificados à SVS/MS, por UF do local provável de infecção e classificação, Brasil, julho de 2020 a janeiro de 2021

Figura 1 - Casos humanos suspeitos de febre amarela notificados à SVS/MS, por UF do local provável de infecção e classificação, Brasil, julho de 2020 a janeiro de 2021

Fonte: CGARB/DEIDT/SVS/MS. *Dados preliminares e sujeitos a revisão.

A vigilância da febre amarela no Brasil atua para reduzir sua incidência na forma silvestre, impedir a transmissão urbana, detectar a circulação viral e orientar as medidas de controle.

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Vigilância em PNH

Quando, da mesma forma que ocorreu no Acre, primatas não humanos são encontrados agonizando na mata, é preciso alertar os serviços de vigilância do município. É muito importante reforçar a informação de que apenas mosquitos, e não os macacos, transmitem a febre amarela. Eles são importantes indicadores da presença do vírus em determinada região, servindo como guias para a elaboração de ações de prevenção.

Para reconhecer um primata não humano doente é importante notar se o animal apresenta comportamento anormal, movimentos lentos, não demonstra instinto de fuga, está segregado do grupo, apresenta perda de apetite, baixo peso, com lesões cutâneas, secreções nasais, oculares e diarreia, entre outros sinais. A Figura 2 apresenta notificações de epizootias notificadas no país, entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021.

Figura 2 – Epizootias em primatas não humanos notificadas à SVS/MS, por UF do local de ocorrência e classificação, Brasil, julho de 2020 a janeiro de 2021.

Figura 2 - Epizootias em primatas não humanos notificadas à SVS/MS, por UF do local de ocorrência e classificação, Brasil, julho de 2020 a janeiro de 2021

Fonte: CGARB/ DEIDT/ SVS/ MS. *Dados preliminares e sujeitos à revisão.

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Profilaxia, vacinas e imunização

A principal forma de prevenção contra a febre amarela é a vacinação, disponível nos postos de saúde de todo o país. Desde 2017, o esquema vacinal do Brasil contempla uma única dose da vacina contra a febre amarela durante a vida, a partir dos 9 meses de idade, alinhado ao que recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Além disso, outras medidas de proteção individual são recomendadas, como o uso de repelentes de insetos, usar roupas compridas e largas ao ingressar na mata e usar mosquiteiros nas áreas onde a incidência do vírus é endêmica.

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A atuação e importância dos médicos-veterinários no controle da febre amarela

Os médicos-veterinários têm papel relevante no controle da febre amarela no país, ao atuar em diferentes áreas do Sistema de Saúde, como Vigilância, Atenção Primária, Defesa Sanitária Animal, clínicas particulares, setores do meio ambiente, ONGs vinculadas a questões ambientais, dentre outros. As modificações de processos produtivos que impactam o meio ambiente e a cadeia alimentar dos animais são fatores básicos e possíveis desencadeadores para a intensidade de transmissão dessa zoonose. As ferramentas de monitoramento permanentes e a informação para a ação em tempo oportuno possuem papéis fundamentais no controle, evitando a disseminação de casos para outras áreas além do foco identificado.

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Conclusão

Além da devastação causada pela pandemia da covid-19 em todo o mundo, as zoonoses e arboviroses, como febre amarela, dengue, zika e chikungunya, têm um papel epidemiológico extremamente significativo no cenário mundial, sobretudo nos países tropicais e subtropicais.

O quadro atual da febre amarela no Brasil tem se mantido em um cenário de transmissão do ciclo silvestre, com a preocupante identificação de avanços de casos nesses espaços territoriais. Já no seu ciclo urbano, o país não registra casos por mais de sete décadas, porém a forte ameaça ocorre em virtude da participação dos mosquitos do gênero Aedes, que infestam as áreas urbanas e aumentam o potencial de transmissão.

A febre amarela, diferentemente da maioria das arboviroses, tem uma ferramenta extraordinária para o seu controle, que é a vacina humana disponível no Brasil desde a década de 1930, permitindo que ocorra de forma eficaz a imunização das pessoas e a interrupção do ciclo de transmissão.

A febre amarela, como tantas outras zoonoses incidentes e prevalentes no mundo, direciona-se cada vez mais para a necessidade da implantação de uma saúde única, cujo cenário central esteja focado na prevenção, promoção e no meio ambiente como as legítimas e concretas intervenções para o seu controle. 

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