Pesquisas sob ameaça

10/03/2014 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:57am

Um empreendimento habitacional do GDF pode acabar com pesquisas da Embrapa Cerrados. Anunciado no fim do mês passado, o Residencial Planaltina Parque, às margens da BR-020, terá 4.896 apartamentos em uma área de 90 hectares onde são desenvolvidos trabalhos para aumentar a qualidade da carne bovina comercializada no país e no exterior. Além disso, projetos de melhorias do bioma e de correção da acidez do solo para a agricultura podem ser interrompidos, perdidos ou até extintos. Diante desse quadro, os 430 empregados da unidade assinaram um manifesto contra a construção.

No documento, pesquisadores lamentam a mudança da destinação da área e consideram a instalação do setor habitacional o "início do fim da Embrapa Cerrados". Segundo o manifesto, "dificilmente, os experimentos de campo resistirão à pressão causada por uma vizinhança estimada em 20 mil pessoas". Há ainda a preocupação sobre o repasse de outra área da instituição para uma cooperativa de catadores de lixo e para a construção de quadras poliesportivas.

Diretamente afetado pela instalação do conjunto de moradias populares, o pesquisador da Embrapa Cláudio Ulhôa Magnabosco se mostra indignado ao constatar que 15 anos de estudos e mais de R$ 7 milhões em investimentos serão perdidos. "Desenvolvo um programa único no mundo de Seleção Genética de Bovinos Nelore Mocho no bioma cerrado, que tem como principal característica a qualidade da carne. Teremos uma perda inestimável de material genético", afirma. No local onde será erguido o setor habitacional, ele conduz ainda o teste de desempenho de touros em integração com a lavoura e a pecuária.

Orientação

Magnabosco conta que a Embrapa ofereceu outra área para a construção do empreendimento, mas o GDF não aceitou a proposta. Em nota, a empresa orientou a direção a manter os trabalhos de pesquisa, como ocorre há mais de 30 anos. O entendimento é de que a ruptura no processo de coleta de informações acarretaria em perdas para a pesquisa nacional.

Pesquisadora da empresa há 20 anos, Arminda Carvalho lembra que, na região, existem experimentos de longa duração, raros, instalados em uma estrutura vulnerável. "Temos toda a coleção entomológica (de insetos) do cerrado. Quando fomos instalados nessa região, distante da cidade, tinha um motivo: era preservar os trabalhos e impedir invasões, furtos e desperdício dos materiais", afirmou.

A Embrapa Cerrados tem papel importante no desenvolvimento da agricultura. Foi responsável pela geração de tecnologias para correção da fertilidade do solo, manejo de cultivos anuais, sistemas irrigados, entre outros.

Desta unidade saiu também o Prêmio Mundial de Alimentação, considerado o Nobel da agronomia. Em 2006, os pesquisadores Edson Lobato e Alysson Paulinelli dividiram a honraria com um americano por desenvolver a agricultura no cerrado. "Entendo e respeito o programa de habitação do GDF. O inaceitável é utilizar uma área nobre de pesquisa para isso. É uma falta de sensibilidade e de visão do futuro", lamentou o pesquisador Cláudio Magnabosco.

Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de Habitação (Sedhab) e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab) se limitaram a dizer que o empreendimento "em nada atinge a sede da Embrapa Cerrados e os plantios experimentais que se encontram à esquerda da BR-020". Desde 2009, segundo o órgão, a área está incluída na região urbana do DF, definida pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot). "A Embrapa foi notificada da necessidade de desocupação, e o GDF (dono da terra) está negociando com a diretoria da empresa um novo local", informou a nota. A reportagem tentou contato com o secretário de Habitação, Geraldo Magela, e foi informada que ele estava em reunião.