Eco
06/07/2011 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:10am
Associados a seres mitológicos sombrios e doenças, osmorcegos levam a fama — injusta — de serem criaturas que causam o mal, impressão estimulada por sua natureza noturna e o hábito, comum em algumas espécies, de se alimentarem de sangue. O que poucas pessoas sabem, no entanto, é que esses animais estão mais para Batman (o herói criado pelo cartunista americano Bob Kane, em 1939) do que para Conde Drácula.
Os morcegos desempenham um papel fundamental para a saúde dos ecossistemas terrestres. Para se ter uma ideia de sua importância, eles são os maiores reflorestadores naturais do planeta, além de predadores de um vasto números de pragas agrícolas e vetores de doenças. Não é à toa que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) elegeu 2011 e 2012 Anos Internacionais dos Morcegos, numa tentativa de informar melhor a população e juntar esforços científicos em torno desses mamíferos voadores.
Presentes na Terra há pelo menos 50 milhões de anos, eles estão em todos os continentes, exceto nas regiões polares. Desempenham um papel importantíssimo na delicada rede da vida, contribuindo para o equilíbrio da fauna e da flora de maneira única. “A sociedade deve estar informada sobre a importância desses animais e sua preservação”, opina Ludmilla Aguiar, representante do Programa para a Conservação de Morcegos na América Latina, ligado ao Pnuma.
Por conta da dieta baseada principalmente em frutas e por seus voos noturnos, os morcegos são importantes polinizadores e dispersores de sementes. Cumprem esse papel de forma mais eficiente que as aves. “Isso é essencial para garantir a saúde e a diversidade da flora e da fauna”, explica ao Correio Andreas Streit, secretário executivo do Programa para a Conservação das Populações de Morcegos na Europa (Eurobats), na Alemanha.
Diversas espécies com as quais os morcegos interagem têm importância econômica e, de graça, prestam serviços ambientais que, se cobrados, custariam uma fortuna. Durante os voos, ao defecar sementes ingeridas, ajudam a plantar uma floresta. Numa única noite, algumas espécies podem dispersar mais de 60 mil grãos. “São as sementes dispersadas por eles que ajudam no processo de recuperação de áreas desmatadas ou na regeneração da vegetação de morros e encostas”, esclarece Ludmilla Aguiar, que também é professora do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB).
Quem gosta de pequi ou tequila também deve muito a esses bichos, pois eles são os principais polinizadores das plantas que produzem o fruto e a bebida (o agave). “O pequi só é polinizado pelos morcegos. Sem eles, a planta não produziria o fruto”, informa Enrico Bernard, professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Outro serviço prestado é o controle de pragas e insetos transmissores de doenças. Os morcegos são conhecidos por consumir até o dobro do seu peso corporal em insetos durante uma noite. Isso os torna controladores naturais desses bichos, muitos dos quais pragas causadoras de danos à silvicultura e à agricultura. “Com a presença do morcego, a necessidade de utilizar pesticidas é significativamente reduzida, além da diminuição de mosquitos”, aponta Streit.
Medo de doenças
Segundo Bernard, a associação do morcego a seres sombrios foi herdada pelos colonizadores europeus. Ao chegarem aos trópicos, eles descobriram espécies que se alimentavam de sangue. “A partir daí, relacionaram os morcegos ao mito dos vampiros criado na Europa.” O que muitos desconhecem é que de 1.230 espécies descritas no mundo todo, apenas três seguem essa dieta. As demais comem frutos, sementes, roedores, peixes e pequenos pássaros.
Injustamente, os morcegos são acusados de serem pragas, de provocarem a morte de quem os toca, ou mesmo de trazerem azar, e são perseguidos e mortos indiscriminadamente. Uma das justificativas para a caça indiscriminada é a transmissão da raiva. Segundo Ludmilla, como qualquer mamífero, o morcego também transmite doenças. “Mas não são todos”, afirma. A bióloga explica que a raiva só é transmitida quando o morcego está doente. “É preciso descobrir o que desencandeia a doença nesses animais. Supõe-se que o estresse causado na população dos morcegos possa ser o gatilho para a manifestação do problema”, esclarece a especialista da UnB.
Os pesquisadores lembram que os maiores vetores da raiva eram os cães, mas nem por isso eles são mortos indiscriminadamente. “A transmissão foi reduzida pelas campanhas de vacinação. Com os morcegos, a redução aconteceria se não invadíssemos seu hábitat”, sugere Ludmilla. “E os pombos passam muito mais doenças para o homem, e nem por isso são caçados e mortos”, completa.
Para Bernard, quando se esclarece sobre a importância dos morcegos às pessoas, elas mudam sua percepção. “Trata-se de um animal interessante, com características que despertam curiosidade”, analisa o especialista. Para começar, não há apenas morcegos pretos, como se imagina. Há espécies brancas, marrons e até vermelhas. “Sem falar que são os únicos mamíferos que voam”, acrescenta. Além disso, eles representam quase um quarto das espécies de mamíferos do mundo. Segundo Andreas, um quinto das populações está criticamente em perigo. As maiores ameaças são provocadas pela ação dos homems, como o desmatamento de florestas fragmentadas, que geram perda de hábitats naturais e áreas de alimentação.
Com cerca de 170 espécies descritas, o Brasil ocupa o segundo lugar em riqueza de morcegos no mundo, ficando atrás apenas da Colômbia. No entanto, sabe-se muito pouco dos animais que habitam o país. Menos de 10% da área total do Brasil foi bem estudada e 60% ainda não têm sequer um único registro científico de uma espécie. Isso demonstra que é cada vez mais clara a importância da manutenção da biodiversidade, tanto para o bem-estar humano quanto para o clima do planeta. “O papel ecológico e funcional que os morcegos desempenham mostra-se essencial para a manutenção da qualidade do ambiente em que vivemos”, afirma Ludmilla.