Competição

26/06/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:48am

Um biólogo americano e um médico holandês competem para ver qual deles chegará primeiro ao alimento do futuro: a carne produzida em laboratório. Em um discreto laboratório próximo a San Francisco, na Califórnia, Patrick Brown se recusa a revelar qualquer detalhe sobre seus experimentos. Sua intenção, porém, é mais do que conhecida: o vegetariano quer que o mundo abdique da carne por motivos ambientais. Os esforços são reconhecidos pelo rival Mark Post, da Universidade de Maastricht, bem menos zeloso em manter sua técnica em segredo. Chef amador, ele chegou a marcar a degustação de um hambúrguer artificial para outubro.

Ambos chegaram a se encontrar em uma conferência no Canadá no início do ano, mas nem entre seus pares Brown se sentiu à vontade para compartilhar suas tentativas, ou mesmo de onde vem os recursos que sustentam o laboratório californiano.

– Ele (Brown) é um gênio, mas tem um problema de personalidade – espetou Post ao "The Guardian", para logo depois abrandar o discurso. – Ele fica na defensiva. É muito mais esperto do que eu, mas não conseguirá ter acesso ao público. Precisa de um relações-públicas ao seu lado.

Hambúrguer custará R$ 640 mil

Ninguém entra no laboratório de Brown sem assinar um acordo de sigilo. Na Holanda, os estudos são mais abertos. Os pesquisadores extraem um pedaço de tecido muscular do animal – vaca ou porco -, de onde retiram as células-tronco. Milhares delas são jogadas em um caldo quente, formado por mais de 100 nutrientes vindos do feto do animal. A divisão de células precisa ser monitorada, a fim de garantir sua estabilidade genética. Pode ser possível ajustar esta estrutura para produzir, por exemplo, mais ácidos graxos poliinsaturados, a famosa "gordura boa".

Não é, portanto, um processo fácil. Tanto que atualmente não se chega a nada maior do que tiras de músculo com alguns centímetros de comprimento e poucos milímetros de espessura. Colher o suficiente deles para chegar a um hambúrguer ainda vai demorar alguns meses. A "iguaria" custará cerca de R$ 640 mil.

Se a carne artificial passar nos testes, poderá um dia reduzir a demanda pelos rebanhos "naturais". Será necessário um número significativamente menor de animais no pasto. Atualmente, a pecuária ocupa 30% da superfície útil do planeta. Estima-se que 1.600 mamíferos e Aves são abatidos a cada segundo. Algo insustentável, considerando as projeções de crescimento do planeta.

Com a população mundial beirando os 9,5 bilhões de pessoas em 2060, como cravam as estimativas mais conservadoras, a pecuária será responsável por metade do impacto das mudanças climáticas provocadas pelo sistema de transporte. Hoje, a criação de bois, vacas e porcos já responde por 5% das emissões de CO2 para a atmosfera, além de 40% da liberação de metano e de óxido nítrico, que também contribuem para o efeito estufa.

Post não se assusta com este cenário. Após explicar como trabalha a sua equipe, imagina um mundo diferente nas próximas décadas.

– Em 25 anos, a carne de verdade virá em um pacote com um adesivo: "Um animal sofreu na produção deste alimento" – arrisca. – Creio que em 50 ou 60 anos deverá ser proibido conseguir carne pela pecuária tradicional.

Brown também é ambicioso. Acredita que seu trabalho, quando estiver pronto e difundido, reduzirá pela metade a redução de gases-estufa. Mas, ao contrário de seu rival, ele não arrisca prazos.

– Não quero parecer um idiota – revela. – Mas, se as coisas apareceram na mídia, isso pode impedir que elas aconteçam.

Se um dos métodos for eficiente, cair nas graças da indústria e couber no bolso do consumidor, poderá disputar espaço com a pecuária convencional. Talvez seja mais prova de que o homem finalmente tornou-se um agente transformador do planeta – o que, na Rio+20, convencionou-se chamar de Era do Antropoceno.