Cobaia

10/07/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:48am

"Necessários", "cruéis" ou as duas coisas, os testes em animais ainda soam como um tabu na área da beleza; e o público interessado fica sem informação

Divulgação Em simulação realista feita na vitrine de uma loja, em Londres, a ativista Jacqueline Traide se submete a testes realizados em bichos pela indústria

A pressão de consumidores pelo fim dos testes em animais na indústria de cosméticos tem levado alguns países a reformularem a legislação do tema. Na União Europeia, a meta é acabar com esses testes até 2013. No Brasil, já se começa a estudar as alternativas às cobaias, mas discutir o tema parece tabu.

Embora muitas empresas respondam que não usam bichos em estudos de novos produtos, falta transparência. São raras as embalagens que trazem a informação.

No mundo, os testes estão na berlinda por serem considerados cruéis. Todos os anos, cerca de 100 milhões de bichos são empregados em pesquisas científicas só nos EUA, segundo estimativa da Peta, ONG de proteção animal famosa pelas suas campanhas com celebridades.

Coelhos, hamsters e camundongos são usados em laboratórios para verificar se componentes de cosméticos podem causar irritação ou alergia em humanos. Em geral, essas avaliações são feitas com novos ingredientes. Para testar se um novo xampu pode irritar os olhos, por exemplo, substâncias são pingadas diretamente, por dias, em córneas de coelhos.

NA VITRINE

Para chamar a atenção sobre o tema, uma ativista britânica se submeteu a um protesto que chocou Londres, em abril. Jacqueline Traide, 24, passou dez horas exposta na vitrine de uma loja de cosméticos sendo submetida a todo tipo de "tortura": imobilizada, teve o cabelo raspado, recebeu injeções, foi forçada a engolir substâncias e produtos foram aplicados em seus olhos como se ela fosse uma cobaia.

O objetivo do ato foi simular alguns dos procedimentos mais comuns que acontecem na indústria da beleza.

Mas já há alternativas para a maior parte dos testes feitos hoje em seres vivos.

Algumas dessas tecnologias in vitro ainda precisam ser validadas (ter eficácia científica comprovada) no Brasil. Os métodos alternativos também são mais caros, o que demanda maior investimento das empresas.

Fora do Brasil, o caminho do consumidor interessado em escolher marcas de cosméticos que não usam cobaias é mais rápido. Muitos fabricantes informam sobre isso nos rótulos. Há selos de certificação, como o "Cruelty Free" (veja à pág. 7), concedido pela Peta após pesquisas. Além disso, a ONG também divulga listas, atualizadas semana a semana, com os nomes das empresas que testam e das que não testam em animais. A relação está disponível em www.peta.org.

Por aqui, a veterinária Gabriela Toledo criou o Pea (Projeto Esperança Animal). A ONG também apresenta uma lista em seu site (www.pea.org.br) das empresas que não realizam testes em animais no Brasil. Para constar na lista, basta o fabricante fazer uma declaração atestando que não realiza o procedimento.

"No começo, íamos atrás das empresas questionando sua política de testes. Muitas nos ignoravam ou enviavam respostas evasivas. Hoje, são elas que nos procuram", diz Toledo. A lista brasileira tem 97 empresas.

A saída é a rotulagem obrigatória, na opinião da veterinária. "Saber se determinado produto foi testado ou não em animais é direito do consumidor, mas é negligenciado."

Até marcas que afirmam ter banido esses testes, como Unilever, P&G e Natura, não colocam essa informação nas embalagens.

"Faz parte da conduta da empresa não fazer propaganda sobre esses benefícios nos rótulos", afirma Elisabete Vicentini, gerente de segurança do consumidor da Natura. A companhia aboliu os estudos em cobaias em 2006. A Abiphec, entidade que reúne fabricantes de cosméticos e produtos de uso pessoal, ressalta que "a informação não é obrigatória e vai da decisão da empresa".

Um projeto de lei sobre Bem-Estar Animal que prevê, entre outros pontos, a obrigatoriedade de informar sobre testes em bichos nas embalagens dos cosméticos, está parado na Câmara há cinco anos. "As coisas mudaram, há mais consciência sobre essa questão. Não dá mais para ficarmos sem legislação sobre o assunto", acredita o deputado federal Ricardo Trípoli (PSDB-SP), autor da proposta.