Apoio

06/06/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:48am

Projeto de organização ambiental identifica ações de preservação da biodiversidade para serem apoiadas pela iniciativa privada e, assim, serem replicadas
Jean Pierre Santos desenvolveu, no interior de Minas Gerais, um galinheiro modelo que impede a entrada do lobo-guará e, assim, conseguiu transformar os moradores da região, que abatiam o animal para proteger suas criações, em protetores da espécie ameaçada. Terezinha Vareschi enfrenta, com outros poucos proprietários de áreas privadas de conservação ambiental, a briga contra o avanço imobiliário na região metropolitana de Curitiba. O biólogo Weber Girão e sua família dedicam energia à conservação do bioma em que vive e se reproduz a única ave endêmica do Ceará: o soldadinho-de-araripe. Em comum com outros três ambientalistas, além da busca pela preservação dos biomas brasileiros, Jean, Terezinha e Weber possuem o estímulo do Programa de Empreendedores da Conservação (E-Cons), que ajudará a replicar por todo o país suas já bem-sucedidas iniciativas.

O projeto é desenvolvido pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), que busca parceiros da iniciativa privada para apoiar financeiramente ações de conservação da biodiversidade. Segundo o diretor executivo da SPVS, Clóvis Borges, o projeto é uma mescla de outras experiências que a instituição possui há mais de 10 anos, nas quais o foco estava na busca de conservação de áreas previamente identificadas. "Agora, nós buscamos pessoas qualificadas com projetos de conservação bem-sucedidos para a preservação dos diferentes biomas brasileiros."

A primeira seleção foi cuidadosa, e os seis escolhidos representam cinco diferentes biomas brasileiros, sendo que um dos ambientalistas atua na área urbana (veja quadro abaixo). Os projetos já começaram a receber o apoio financeiro do banco HSBC – primeira empresa a se tornar parceira do E-Cons. "Novos projetos são estudados e deverão formar um cadastro de iniciativas que poderão ser selecionadas pelos investidores", conta Borges.

No caso dos galinheiros modelos de Jean Pierre Santos, por exemplo, o apoio financeiro é essencial para o sucesso do projeto, já que o custo dos materiais para construção é alto. Santos nasceu e foi criado no município de São Roque de Minas, no pé da Serra da Canastra, região em que o relacionamento entre os moradores e a fauna silvestre sempre foi conturbado. Algumas espécies de predadores, como o cachorro-do-mato, o furão e, especialmente, o lobo-guará, atacam os galinheiros para se alimentar e, por isso, sofrem grande represália. "Cresci pensando em procurar alguma solução que sanasse esse problema e percebi a necessidade de algum método que diminuísse a predação", lembra Santos.

Ele, então, aprimorou um simples galinheiro para medidas e materiais em um padrão que impedisse a ação dos animais. Alguns protótipos foram produzidos como teste. Como resultado, os ataques cessaram completamente. Em seguida, um projeto de educação ambiental e conscientização da população foi iniciado. "Eles perceberam que apenas o galinheiro era suficiente para diminuir a predação. Tivemos a melhora no convívio entre a fauna silvestre e os moradores."

Hábitat

O problema combatido pelo cearense Weber Girão não está relacionado à predação de uma espécie, mas à devastação do único ambiente em que um tipo raro de pássaro, descoberto por ele, consegue se reproduzir. O soldadinho-de-araripe foi descoberto no fim de 1996. Quatro anos depois, passou a figurar na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). A conservação do hábitat dessa ave é a única forma de preservá-la.

O soldadinho-de-araripe é endêmico de um pequeno trecho da Chapada do Araripe, no coração do semiárido brasileiro. Se a chapada tem mais de 1 milhão de hectares, a ave aparece somente em 30km², nos municípios cearenses de Barbalha, Missão Velha e Crato. Uma elevada concentração de água, com floresta e mata, foi o motivo de diversas disputas territoriais desde que a área começou a ser habitada. "A degradação foi grande. Imagine uma área com grande oferta de água no meio do semiárido", detalha Weber.

Com isso, estima-se que, no mínimo, 77% da área tenham sido devastados. Desde o início do projeto, Weber já obteve grandes avanços e conseguiu tornar o pássaro um símbolo dos municípios em que ele pode ser encontrado. Ele também conquistou aliados incondicionais para apoiar a proposta de tornar sua região endêmica uma unidade de conservação.

Reservas

A busca de Terezinha Vareschi também está nos meios legais para preservação, mas, com foco no centro urbano. Ela quer transformar as propriedades naturais particulares em Reservas Particulares do Patrimônio Natural Municipal (RPPNM). Mais de 90% das matas nativas de Curitiba são propriedades particulares. A lei municipal que criou a RPPNM tenta incentivar os proprietários a criarem reservas ambientais. Em troca, eles receberiam um certo valor de construtoras que buscavam aumentar o seu potencial construtivo.

A iniciativa ocorre da seguinte maneira: uma empreendedora que constrói uma edifício em uma área em que há limite de cinco andares, por exemplo, pode adquirir a licença de construir um andar extra se colaborar com o proprietário de alguma área verde preservada. Assim, a construtora se beneficia em seu empreendimento e o proprietário de um bosque recebe um valor para manter o terreno intacto.

Para a preservação dessas áreas, foi criada a Associação dos Protetores de Áreas Verdes Relevantes de Curitiba e Região Metropolitana (Apave). "Precisamos de incentivos para convencer os proprietários a continuar preservando. É necessário que seja mais lucrativo preservar que destruir. As incorporadoras estão construindo condomínios de luxo porque é lucrativo. Precisamos mudar as leis e apoiar quem preserva", argumenta Vareschi, que possui uma propriedade de 36 mil metros quadrados que está sendo transformada em RPPNM.

As iniciativas

» Escola verde (Amazônia)

Desde sua criação, a Escola da Amazônia dá chance aos jovens de aprender sobre a floresta de maneira ativa, construindo seus próprios conceitos sobre as informações que adquirem explorando a região e sua biodiversidade. Tudo começou quando Sílvio Marchini percebeu que jovens americanos envolvidos em programação acadêmica tinham muitas vezes mais acesso à floresta do que estudantes brasileiros. O projeto explora meios para identificar e monitorar os fatores que determinam o comportamento das pessoas em relação à floresta e à sua biodiversidade.

» Bosques de Curitiba (ambiente urbano)

Terezinha Vareschi notou que, nos últimos anos, a região em que mora na capital paranaense passou a enfrentar uma forte pressão imobiliária que atingiu de forma predatória o meio ambiente, especialmente densas áreas verdes. Foi assim que assumiu o desafio de transformar sua propriedade em um modelo de conservação em ambiente urbano, com possibilidade de replicação da experiência. Em 2011, ela criou a Associação dos Protetores de Áreas Verdes Relevantes de Curitiba e Região Metropolitana, com a finalidade de articular atividades e promover reuniões para a preservação de bosques nativos da cidade.

» Bicudinho-do-brejo (mata atlântica)

A partir da descoberta do bicudinho-do-brejo, a bióloga Bianca Reinert passou a se dedicar exclusivamente ao seu estudo e à preservação do pássaro. Com quatro pessoas, ela chegou a comprar, em 2009, uma área na região da Lagoa do Parado (uma das últimas remanescentes de mata atlântica primária do litoral sul do Paraná) para evitar o desaparecimento do bicudinho. O esforço para a manutenção da área natural e as ações de pesquisa com resultados aplicados à conservação da espécie e do seu hábitat são a aposta para que a iniciativa seja replicada para a conservação da mata atlântica.

» Lobo-guará (cerrado)

Jean Pierre Santos é o líder de um trabalho que transformou moradores da região ao redor do Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, em aliados na conservação do lobo-guará. A espécie costuma ser abatida porque ataca granjas. Santos criou, então, um projeto que inclui a educação ambiental e a construção de galinheiros modelos, que impedem a ação dos lobos-guarás. Ao atuar com essas comunidades, o pesquisador também fortalece a conservação da região, onde estão as nascentes do Rio São Francisco.

» Papagaio-verdadeiro (Pantanal)

Dos diferentes setores em que a Zootecnista Gláucia Seixas atuou, o que mais prendeu sua atenção foi o tráfico de Animais silvestres no Pantanal, especialmente dos papagaios-verdadeiros, que todos os anos são retirados aos milhares da natureza. O objetivo de Gláucia é inibir o tráfico, promover a conservação em terras privadas e consolidar as ações de conservação da região do Pantanal sul. O projeto já é realizado na planície pantaneira e planaltos do entorno, no Mato Grosso do Sul.

» Soldadinho-do-araripe (caatinga)

A ave, que tanto chamou a atenção de Weber Girão por sua beleza, fez com que o pesquisador dedicasse grande parte de sua vida à conservação da espécie, interagindo melhor com os atores sociais locais e transformando o pássaro em um símbolo da conservação florestal e hídrica. Com excelente articulação e envolvimento com a comunidade local, Girão atingiu expressivos resultados, como o profundo envolvimento da população, replicando a importância da manutenção da espécie para a conservação da natureza.