Agrotóxico
06/06/2012 – Atualizado em 31/10/2022 – 8:48am
Por trás do mau uso dos agrotóxicos nas áreas rurais do Rio está também uma frágil estrutura de fiscalização. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) tem apenas nove técnicos para acompanhar a produção e a venda desses itens em todo o estado. A situação não é muito diferente na coordenadoria da Secretaria estadual de Agricultura que tem a atribuição de monitorar o uso de pesticidas entre os mais de cem mil agricultores do Rio: lá, existem somente 28 profissionais.
Os números minguados do estado refletem também uma realidade na Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que conta com apenas 21 pessoas para fazer a análise toxicológica dessas substâncias. O Ibama, por sua vez, tem 16 técnicos para avaliações de risco ambiental, enquanto o Ministério da Agricultura, sete profissionais para análises agronômicas. Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) tem 854 funcionários para fazer o mesmo trabalho.
No Rio, o órgão governamental mais próximo do produtor é a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), que tem 391 técnicos distribuídos em 72 escritórios no estado. Desse total, no entanto, apenas 98 são agrônomos. Ou seja, a relação é de um agrônomo para mais de mil agricultores. O diretor técnico da instituição, Ricardo Mansur, admite:
– O cobertor é curto. Dois concursos dobraram nosso efetivo técnico nos últimos dois anos, mas ainda precisamos de mais profissionais.
Para a promotora Anaíza Helena Malhardes Miranda, que há uma década acompanha o uso indiscriminado dos agrotóxicos na Região Serrana, a estrutura no estado é insuficiente.
– Não há fiscalização eficiente, nem apoio ao pequeno produtor. Pensa-se muito em crédito para comprar insumos. Mas não se atrela à concessão do crédito o trabalho de orientação do produtor rural, que vem sendo abandonado pelo estado governo após governo – diz.
Anaíza lamenta a alteração legislativa feita no estado em 2002, que retirou da Secretaria de Agricultura o poder de fiscalização e o concentrou no Inea, que, segundo ela, não tem pessoal e veículos em número suficiente para fazer o trabalho. Ela também diz que ações de fiscalização estão muito concentradas no comércio. Em sua opinião, poucas intervenções são feitas no campo e nas estradas.
Controle ainda vai
ser informatizado
O Inea diz que este ano o órgão fará um concurso para contratar 250 profissionais. Atualmente, seus nove técnicos são responsáveis pelo licenciamento das empresas interessadas em vender agrotóxicos em todo o estado e por fiscalizar a venda desses produtos, a produção e os estabelecimentos. A gerente de Licenciamento de Agrotóxicos e Vetores do órgão, Jussara Ribeiro Nogueira, admite as dificuldades de acompanhar a venda dos produtos. Na semana passada, repórteres do GLOBO compraram facilmente agrotóxicos no Rio, sem a necessidade de um receituário de um agrônomo, como manda a lei. As substâncias foram entregues ontem ao Inea, que vai incinerar os produtos e autuar as empresas por venda ilegal.
– A equipe é pequena, mas isso vai mudar com a contratação dos novos funcionários. Quando temos que fazer alguma ação de fiscalização, contamos também com a ajuda dos funcionários das nossas nove superintendências – acrescentou Jussara.
A falta de estrutura fica evidente até mesmo no controle de produtos vendidos no estado. Procurado para informar a quantidade de agrotóxicos negociados no Rio, o Inea informou que os dados estão escritos em talonários de papel e que não estavam tabulados ou guardados em meio digital para se fazer a pesquisa.
– Não temos como parar o pessoal para fazer a pesquisa e a tabulação. Trabalhamos ainda com receituário de papel, e isso de fato nos fragiliza. Mas já iniciamos a instalação de um sistema de informática com o qual poderemos saber em tempo real quem vendeu, para quem e qual é o estoque de cada loja. Isso vai dificultar e muito a venda sem receituário – disse Jussara.
Segundo o Inea, o estado tem hoje 24 lojas licenciadas para vender agrotóxicos. Outras dez estão em processo de licenciamento. Mas há informações de vendedores clandestinos.
Apesar de contar com apenas 28 técnicos, o coordenador de Defesa Sanitária Vegetal da Secretaria estadual de Agricultura, Leonardo Vicente, afirma que faz o melhor que pode:
– Nossos técnicos vão às propriedades e vistoriam se o uso do agrotóxico está sendo feito de acordo com o manual. Mas, apesar de tratar os reincidentes de forma punitiva, damos ênfase ao trabalho de educação. É importante lembrar que o uso do agrotóxico não é proibido. O que é proibido é usar de forma errada. Mudar hábitos é difícil.
Ricardo Mansur, da Emater, concorda com o colega. Ele afirma que sua equipe orienta os trabalhadores a respeito dos riscos, mas lembra que não pode vigiar o que acontece quando não está por perto.
– Você orienta dizendo o que é o certo, mas, quando ele (agricultor) se vê sozinho, faz o errado.
Mansur tem em sua equipe de campo 98 agrônomos, 205 técnicos agrícolas, 68 veterinários, 16 zootecnistas e quatro engenheiros florestais. Todos trabalhando em projetos de orientação:
– Nossos agrônomos emitem a receita para que o agricultor compre o produto. No entanto, há que se lembrar que este não é o foco do nosso trabalho.
Autora do livro "Agrotóxicos no Brasil, um guia para a ação em defensa da vida", lançado no ano passado, a agrônoma Flávia Londres diz que o problema da falta de estrutura não é exclusividade do Rio, está disseminado por todo o país:
– O Brasil não tem um sistema eficiente de controle e fiscalização em relação ao uso do agrotóxicos.