Em alta
30/09/2010 – Atualizado em 31/10/2022 – 9:25am
Em um país, a ação do governo desestimula a produção. Noutro, custos elevados de grãos levaram o criador a descartar animais diante da rentabilidade baixa. E em um terceiro, o descarte de matrizes, há quatro anos, fez a oferta atual de gado bovino para abate recuar.
Esses são os cenários hoje em três dos maiores países exportadores de carne bovina do mundo, no momento em que a demanda pelo produto cresce a passos largos, sobretudo em economias emergentes. O resultado não é difícil de imaginar: matéria-prima e produto final em alta em nível global. Por quanto tempo? Especialistas não arriscam previsões, mas avaliam que enquanto houver demanda crescente, as cotações serão firmes.
Ex-ministro da Agricultura, ex-presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) e atual conselheiro da JBS, Pratini de Moraes afirma que a escassez de carne no Brasil tem origem no ciclo de baixa da produção, que durou quatro anos, até 2009, em decorrência do descarte de matrizes, após um período de preços baixos. Ele acredita que a recuperação do rebanho já começou e o abate de bovinos deve voltar aos níveis de 45 milhões a 46 milhões de cabeças este ano, acima dos 43 milhões de 2009.
Pratini não descarta "alguma correção" para baixo nos preços do setor. Mas não vê mudança significativa. "A demanda por proteína animal é tão grande e está crescendo tanto nos emergentes que ela representará uma sustentação, já que não há como aumentar a produção de carne bovina rapidamente, como o frango", disse Pratini, que estava em Buenos Aires para o 18º Congresso Mundial da Carne. "A carne precisa de pelo menos três anos [para ser produzida]". Em sua análise, apenas uma crise mundial altera a tendência de alta de preços para os alimentos.
Só uma mudança fundamental nos hábitos alimentares pode mudar o atual cenário, acrescenta Lars Hoelgaard, diretor-geral de desenvolvimento agrícola e rural da União Europeia. "A menos que haja uma mudança fundamental nos hábitos alimentares, o que significa menos carne e mais vegetarianos no mundo, incluindo na China, isso [queda na demanda] é possível (…) mas não acontecerá logo".
Na União Europeia, onde a produção de carne bovina recua ano após ano por perda de competitividade, o braço executivo do bloco acaba de reduzir em 50% os subsídios à exportação do produto.
"Coquetel" foi a palavra usada por Héctor Salamanco, diretor-executivo do Consórcio de Exportadores de Carnes Argentinas, para explicar o cenário no setor de carne bovina no país. Por coquetel, entenda-se a combinação entre políticas do governo para reduzir a exportação de carne e segurar a inflação, seguidas por forte seca que reduziu a produção de gado em 2008 e da crise econômica mundial. O efeito desses fatores é um abate de gado, este ano, semelhante ao de 2000 e exportações até menores do que naquele ano.
Há dez anos foram 12,4 milhões de cabeças e 342 mil toneladas em exportação. Este ano, estima-se 12 milhões de animais abatidos e 320 mil toneladas exportadas. "No médio prazo, vamos ter preços internacionais firmes para a carne. A razão é que a oferta é pequena e há uma demanda que a oferta não atende", afirmou Salamanco.
Estimativas de especialistas indicam avanço da demanda global por carnes em geral, mas em ritmo menor para a bovina, que tem preços mais altos que o frango, por exemplo. De acordo com a consultoria inglesa Gira, o consumo de carne bovina no mundo deve sair de 60,8 milhões este ano de toneladas para 64,5 milhões em 2020.
Só a China deve praticamente dobrar as importações no período, alcançando 400 mil toneladas. "O consumo de carne bovina está crescendo rápido na China, muito mais rápido que em qualquer outro país em desenvolvimento", diz Joel Haggard, vice-presidente da Federação dos Exportadores de Carnes dos EUA para Ásia e Pacífico. Ele observa que o país tem dificuldade de produzir gado devido à escassez de terras e usa os grãos para a produção de frango e suínos.
Luis Alfredo Fratti, presidente do uruguaio Instituto Nacional da Carne, avalia que os países exportadores de carne da América do Sul devem se beneficiar do cenário de demanda crescente. "O mundo nos vê como a região provedora de carne, não importa se é Argentina, Brasil ou Uruguai, o que importa é que a única capaz de abastecer os consumidores e também de aumentar a produção", afirmou. De acordo com Fratti, a forte demanda por carne com a mesma quantidade de gado deve garantir que os preços se mantenham firmes.
Mas, de fato, ninguém sabe qual patamar os preços do boi e da carne podem alcançar. "Em algum ponto da alta, o criador dirá: está na hora de vender para fazer dinheiro", comentou Haggard, dos EUA. Segundo ele, a demanda por carne nos EUA caiu por conta da crise econômica a partir do segundo semestre de 2008, mas a demanda externa cresce, o que tem sustentado os preços.
Não é só o consumo que definirá os preços – e consequentemente a recuperação do rebanho nos EUA, acredita Haggard. Ele lembra que a produção de gado caiu nos EUA porque os pecuaristas enfrentaram margens negativas em decorrência da alta dos preços dos grãos usados na ração dos animais, em 2008. "Os custos subiram e os produtores não puderam vender o gado por um preço alto suficiente para cobrir o maior custo".
Por isso, diz, o que mais preocupa é o que acontecerá com os preços dos grãos, que vivem novo período de alta no mercado global por causa da seca em regiões da Rússia e da Europa. "Mesmo quando o preço [do boi] é alto, se o custo é mais elevado, não será rentável".